sexta-feira, 4 de junho de 2010

O conceito de paisagem e as paisagens distintas

Por Leandro Jesus Maciel de Menezes

O geógrafo Milton Santos foi um, dentre muitos autores, que colaborou para a definição conceitual de paisagem. SANTOS (1988) entende a paisagem como o conjunto das coisas que se dão diretamente aos nossos sentidos. Sendo que as formas podem, durante muito tempo, permanecer as mesmas, mas como a sociedade está sempre em movimento, a mesma paisagem, a mesma configuração territorial nos oferecem, no transcurso histórico, espaços diferentes.
Compreendo que se, consigamos no nível da percepção entender o significado de uma paisagem, que muitas vezes não se revela na sua aparência, não podemos fazê-lo sem unir a compreensão teórica do que é o processo histórico de transformação da sociedade com o que consigo visualizar de imediato. Isso porque, o real muitas vezes envolve um processo de transformação, movimento, contradição, que nos remete a uma dada situação. Nas determinações de Santos (1988) toda situação é, do ponto de vista estático, um resultado, e do ponto de vista dinâmico, um processo. Numa situação em movimento, os atores não têm o mesmo ritmo, movem-se segundo ritmos diversos. Portanto, se tomarmos apenas um momento, perdemos a noção do todo em movimento.
Podemos dizer, em síntese, que esta sociedade sempre em movimento, organiza o espaço constantemente conforme um conjunto de interesses, que numa sociedade de classes, muitas vezes são conflitantes. Essa compreensão é fundamental para distinguirmos a organização e a função de duas paisagens organizadas sob perspectivas distintas no espaço rural brasileiro: a paisagem do agronegócio e a paisagem da propriedade familiar. Entende-se como função da paisagem: a produção de alimentos, lazer, habitat, água (reservatório), conforto térmico, oxigênio, entre outras. Contudo, pretende-se enfatizar a produção de alimentos como uma das principais funções de uma paisagem.
A (figura 1) expressa à paisagem produzida pelo agronegócio. Nessa paisagem há predominância de uma composição uniforme e geométrica da monocultura, onde há existência de poucas pessoas. Sobretudo, porque esse espaço é organizado para a produção de mercadorias.


Figura 1 : Paisagem do Agronegócio

Figura 1 : Paisagem do Agronegócio

Em contrapartida, a paisagem da agricultura familiar (figura 2) é composta por uma diversidade dos elementos. É caracterizada pela grande presença de pessoas que nesse e desse espaço constroem suas vidas produzindo alimentos, criando animais, buscando através da diversidade produtiva a sua sobrevivência.

Figura 2: Paisagem de Agricultura Familiar

Figura 2: Paisagem de Agricultura Familiar
Fonte: http://www2.portoalegre.rs.gov.br/turismo/default.php?p_secao=270






A questão que devemos nos perguntar é porque a organização e função dessas paisagens são distintas. Em primeiro lugar, ao meu modo de ver, as duas paisagens não revelam a sua essência na sua aparência. A paisagem da propriedade familiar (Figura 3) não revela para quem não conhece a sua dinâmica, que há saberes sendo construindo naquele espaço e que são transmitidos de descendente à descendente. Não revela que muitas vezes sua organização e as suas funções (de produção de alimentos, por exemplo) ocorrem na maioria das vezes respeitando o tempo da natureza. Nesse espaço-tempo o grupo familiar não somente acumula experiências, mas também inova, através do conhecimento na sua relação com a natureza.

Agricultura Familiar


Figura 3 : Mulheres cultivam Horta Organica. Assentamento Caraibas-Quixeramobim-Ceara.
Fonte: Portal MDA

Já, na paisagem do agronegócio o que fica implícito em sua imagem de produtividade e de geração de riquezas para o país, é a construção de uma ideologia que tenta mudar a imagem da agricultura capitalista praticada nos médios e grandes latifúndios (Figura 4). Além disso, essa paisagem nos faz entender que no campo todos os setores são tidos como modernos, sentenciando que o desenvolvimento da agricultura está atrelado a um processo linear e homogêneo ocultando as diferenças sociais, culturais e econômicas existentes neste espaço.
Agronegócio


Figura 4: A visão do Agronegócio
Fonte: http://infologis.blogspot.com/2010_03_05_archive.html

Através do agronegócio o latifúndio de um espaço improdutivo transformou-se em um espaço de intensa produtividade (Figura 5). Por isso, um olhar sobre a paisagem do agronegócio nos mostra a exuberância que representa um espaço produtivo por excelência, mas, oculta o caráter concentrador, expropriatório e excludente antes característico do latifúndio.



Figura 5: Agronegócio e vasta produção
Fonte: http://www.trigo.com.br/

Contudo, o mais importante é a lógica capitalista mantida por esse modelo de desenvolvimento: concentração e exploração. O geógrafo Bernardo Mançano Fernandes, que estuda o espaço rural brasileiro sob a ótica das contradições do desenvolvimento do capitalismo no campo, não considera que agronegócio seja um novo modelo de desenvolvimento, pois para ele, sua origem esta no sistema plantation, em que as grandes propriedades são utilizadas na produção para exportação. Também, considera-o como um novo tipo de latifúndio, só que ainda mais amplo, pois agora não concentra e domina apenas a terra, mas também a tecnologia de produção e as políticas de desenvolvimento.

Os capangas do Agronegócio

Figura 5: Os capangas do Agronegócio
Fonte: http://www.novae.inf.br/site/modules.php?name=Conteudo&pid=1435

Não completamente, pois, compreendo que o agronegócio é apenas uma das diferentes formas assumidas pelo capital para realizar sua reprodução ampliada. Muitas outras existem, como referência a agricultura familiar que está subordinada ao capital, desde os insumos e maquinários até o tipo de bens e produtos produzidos, via sistemas integrados entre o produtor e a corporação transnacional, que como exemplo, no estado do Rio Grande do Sul podemos citar os produtores de fumo. Portanto, não é por acaso, que as lutas das populações do campo em sua grande maioria em nosso país, expressam concretamente um caráter anticapitalista.

Assim, devemos em primeiro lugar, entender o sentido e a dimensão que assumem tais lutas, para isso é preciso mobilizar recursos teóricos, ao invés de desdenhá-las. Compreender o que significa a organização de uma paisagem que tenha como função principal oportunizar uma vida digna para uma família.

O fato, porém, hoje, é que essa concentração de poder cria o poder de concentrar. É por isso que cada vez mais o agronegócio se territorializa e desterritorializa a agricultura familiar. Isso promove o empobrecimento dos pequenos agricultores e seu encontro com o desemprego estrutural. Partindo desse pressuposto, à medida que o agronegócio, controlado principalmente pelas corporações transnacionais se expande e organiza sua paisagem para produção de mercadorias, estaria reorganizando completamente a paisagem no espaço rural brasileiro?

Não completamente, pois, compreendo que o agronegócio é apenas uma das diferentes formas assumidas pelo capital para realizar sua reprodução ampliada. Muitas outras existem, como referência a agricultura familiar que está subordinada ao capital, desde os insumos e maquinários até o tipo de bens e produtos produzidos, via sistemas integrados entre o produtor e a corporação transnacional, que como exemplo, no estado do Rio Grande do Sul podemos citar os produtores de fumo. Portanto, não é por acaso, que as lutas das populações do campo em sua grande maioria em nosso país, expressam concretamente um caráter anticapitalista.


Assim, devemos em primeiro lugar, entender o sentido e a dimensão que assumem tais lutas, para isso é preciso mobilizar recursos teóricos, ao invés de desdenhá-las. Compreender o que significa a organização de uma paisagem que tenha como função principal oportunizar uma vida digna para uma família.


SANTOS, M. Metamorfose do espaço habitado. São Paulo: Hucitec,1988.

Um comentário:

  1. Leandro,
    teu texto está show de bola. Acho que vc conseguiu fazer uma boa distribuição entre texto e imagem, e o assunto é super interessante, mas senti falta da biogeografia. Você iniciou pela discussão de paisagem, mas abandonou ela logo no início para discutir modo de produção. Acho que se vc tivesse pensado mais um pouco, veria que estes distintos modos de produção tem, também, consequências muito distintas na manutenção da teia ecológica da vida, e isso sim, seria um gancho para a biogeografia dialogar com a geografia rural.

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